Mostrar o que sou sem me descobrir. Escrever para liberdade do pensar.Meiriara./// Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite. Clarice Lispector
sábado, 13 de novembro de 2010
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
PRIMEIRA VEZ
Hoje acordei e ao sentar-me na cama lembrei-me do momento em que te conheci. Você estava sentado no meio-fio da loja de calçados que fica em frente a padaria de seu Joaquim. Trazia os olhos fixos no nada. E o nada lhe era interessante... pois quem o via vislumbrava uma estatua de Rodin. Acreditei que só poderia estar com problemas... E fui aos poucos me aproximando... De longe esse deus grego, imperturbável, compenetrado... Eu sorrateiramente desviei para o lado e fiquei parada atrás do poste. Ele se mantinha impassível... Depois de alguns segundos andei em sua direção e sentei-me ao seu lado. Ele sequer se moveu. Parecia não ter notado minha chegada. Interessada, fiquei quieta. Ele meio de soslaio observa-me. Sai do seu suposto transe e pergunta-me você já contou quantos quadrados tem em cada lajota em frente da padaria? Confesso que fique indignada!!!! Afinal acreditei em tantas outras coisas... não suportei e dei uma sonora gargalhada... Ele sem nada entender assustou-se com a minha reação. Tentei dentro do possível explicar o que estava acontecendo... sem é claro dizer o que pensava dele...hum...e como me era interessante estar perto. Ele conto-me que gostava de fazer essas coisas...essas de contar os passos que dava para ir a padaria, ao barbeiro,a todos os lugares inclusive quando ia ao banheiro...falava-me com a naturalidade de quem já me conhecia a anos...Percebi que tinha a marca de um corte profundo do lado esquerdo do rosto... Naquele dia descobri que o meu deus grego era humano, amavelmente humano...
Desde aquele dia minha vida mudou para sempre... E mudou por que a sua beleza física era o mínimo diante do homem que foi se desvendando... E como era humano, contando suas histórias, suas alegrias e suas frustrações. E sentados na calçada não víamos o tempo passar. Era como velhos amigos ou confidentes... Disse-me que a cicatriz ganhara desde menino quando brincava na fazenda do avô em Goiana. Falou-me dos preconceitos que sofrera e quantas garotas não aceitaram uma simples dança... não tinha rancores nem se achava vitimado, em alguns momentos ria da própria desgraça!
O sorveteiro passou e brincou conosco fazendo uma reverencia para um casal que supostamente era de namorados. Ele riu e negou com um gesto de cabeça. Aí... eu me dei conta que não conhecia aquele homem que havia contado-me sua vida e nada sabia da minha. Nesse momento parou o ônibus das 18 h e ele levantou-se, tocou meu rosto e beijou-me os lábios, virou-se lentamente, entrou no ônibus e partiu!!! Sem nada dizer e foi a ultima vez que o vi.
E mudou minha vida porque eu não sabia que viver era muito mais do que eu achava que tinha!
Meiriara,09/11/2010
domingo, 12 de setembro de 2010
Como nasce um ditador
Ele teve uma infância infeliz
Enjeitado, pais separados!
Adolescência no trabalho duro
Cansado, explorado; assalariado
Descobre a política, o comércio
Adulto formado, já vistoso...
Vida dupla, frio, calculista!
Busca nos fracos sua fortaleza!
Livro de cabeceira: O príncipe!
Séculos se passaram: O homem
Ele mesmo!
Sente-se grande, ostenta riqueza!
Ao seu redor: capachos, servos!
Seu consolo: O poder!
Sua meta: O controle!
Seu Deus: O dinheiro!
Seu destino: O ostracismo!
Sua glória: Uma lápide!
Sua memorial: Um ditador!
Meiriara Lopes de Araujo Cerqueira
26/01/2010
22:30
Fogos de artifícios
Explosões de beleza
Rostos admirados pelo esplendor
Luzes intensas
Risos, lágrimas benignas.
O tempo senhor das horas e dos momentos
Brilho de pólvora no ar
Corações saudosos e felizes.
De repente...
Que espetáculo dantesco
Explosões de lágrimas e sangue
Rostos perplexos pela dor
Luzes transformadas em fogo
O tempo senhor das horas fatídicas.
Nos fogos do ano novo: dor e consternação depois do riso e do brilho.
Nos fogos do ano novo... peles, roupas e lágrimas no chão.
Agora...
Dor... e esperança de que a memória seja traída ou atraída pelo tempo e esqueça...
Os fogos de artifício do ano novo.
Meiriara Lopes de Araujo Cerqueira
Salinas, 06/01/2010, 23:10
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Tex... to
Criado para ser de um, o texto teima em ser de todos.
No pedaço de papel foi feito para contar as peripécias do seu dono.
Mas ele teve vida própria e voou pelo mundo e cada povo disse coisas de modo diferente.
Um outro falou de sua verdade e buscava discípulos para ela...pobre coitado não conseguiu nada a não ser o sorriso cúmplice da mãe.
Outro quis fazer historia, porem omitiu a emoção de um povo, porém no futuro foi atropelado por elas.
Todavia o caprichoso do texto tem suas armadilhas e coloca nas entrelinhas coisas que só aquele que lê de verdade pode saber.
E o texto voou e caiu nas mãos do político e foi usado como massa de manobrar contra o povo...
Disfarçadamente caiu no chão e o intelectual tomou-o em suas mãos. Mostrou-se muito soberbo e o povo não entendeu o seu linguajar tão rebuscado...
Inadvertidamente colocou em cima da cadeira e alguém deu um tombo nela... Foi amparada por um poeta, que ao lê-lo fez alguns chorarem... Outros rirem e, a maioria lhe vaiar. Por essa incompreensão num acesso de fúria atira o texto longe...
E ele cai próximo a uma criança... Que faz ela... Um barquinho de papel... Afinal com quatro anos é... Só um papel...
Meiriara - 2008
Invertendo os fatos
No morro do Trunfo mora Brotinho. Sempre que o chamavam assim lembrava-se do seu pai; a ele cabia a origem desse apelido. Havia na favela uma moça de longos cabelos negros e olhos escuros feitos jabuticabas e seu pai a chamava de brotinho; o filho caçula por sua vez, chamava a todos por esse apelido e assim ficou conhecido e assim todos o cumprimentava.
Tempos remotos em que Brotinho queria ser policial militar. Todas as vezes que brincavam de mocinho e bandido ele sempre fazia o papel de mocinho.
Hoje sentado na sua varanda visualizava o morro. Havia tomado uma decisão: iria mudar essa história. Era o chefe do tráfico no ali; sua palavra era lei. Era rico, na verdade, era muito rico... e pensando bem... Tanto dinheiro dava muito na pinta... Chamou Faustino, seu secretário particular.
- olha Faustino, tomei uma decisão com relação a nossa favela. A partir de hoje, farei as coisas de outra forma. Sempre ajudamos a comunidade com um bujão de gás, um pagamento de água ou luz, mas agora vou mudar isso...
- Oh chefe né por nada não... O senhor vai fazer o quê? O povo daqui ta acostumado com um churrasco e um rala bucho.
-Eu sei Faustino só que pra tomar conta desse pedaço é preciso ser mais esperto que as autoridades. Eles alegam que aqui não precisam de parques, lojas decentes... colocaram uma quadra descoberta e chama aquilo lá de lazer. Até a única escola foi fechada, pois os professores se negavam a trabalhar em meio a tiroteio. Agora vamos fazer diferente. - A conversa foi encerrada ali e Brotinho pediu a Faustino para sair.
Desde aquela conversa fazia três anos... Na favela havia agora Escola de ensino fundamental e médio um pequeno shoping, parque infantil e uma quadra coberta. Para a comunidade Brotinho era um deus...
Eles não precisavam não precisavam do poder público para existirem como pessoa. Eram felizes ali. Porém nem todos estavam satisfeitos com essa forma de administrar do líder, principalmente os caras que viveram a roubar, matar e que trabalhavam na comunidade. Eles exigiam cada vez mais uma posição de Brotinho com relação à circulação de policiais militares na favela.
Durante uma noite, a casa de Dona Tina estava cheia de gente para assistir ao jogo do Flamengo. Era intervalo e todos tomavam cerveja e comiam churrasco. Os caras chegaram atirando. Por um momento Brotinho visualizou o rosto do líder, pouco antes de levar um tiro na cabeça. Depois daquele dia tudo mudou na favela: o parque foi destruído, o shoping e a quadra fechados. O povo voltou a ser coagido e a não ter direitos.
Distante dali acontecia uma reunião entre governo e militares.
- Agora é a nossa vez. Naquele morro é o governo que volta a mandar...
Salinas, 30 de junho de 2008.
Meiriara
DESEJOS
CARRO DO DESEJO
BISTURI DO DESEJO
TESOURA DO DESEJO
PESSOA DO DESEJO
DESEJO DE DESEJAR.
DESEJO MEU, QUE ÀS VEZES É SEU.
DESEJO SEU, DENTRO DO MEU.
QUANDO SÃO SINCERO, QUANDO SÃO ROUBADOS,
MATAM, CRUCIFICAM.
DESEJO DE MUDAR: DA CASA, DA RUA, DA CIDADE OU DO PAIS,
DE VIDA, DE CARRO, DE ROUPA...
SÃO TANTOS... POUCOS REALIZAVEIS OU REALIZADOS.
FRUSTADOS...
PERMITIDOS...
PREMIADOS.
DESEJOS ALAVANCADOS POR SONHOS OU NECESSIDADES.
DESEJO DE PODER: POLITICO, PROFISSIONAL, FAMILIAR;
DESEJO CRUCIAL... SER NOTADO OU VALORIZADO POR ALGUÉM.
DESEJO DE VIVER, DE SER IMORTAL...
DESEJO DE SER SOMENTE EU.
E SER ACEITE COMO SOU.
SALINAS, 24 DE julho de 2007.
MEIRIARA.
domingo, 18 de abril de 2010
Chuva
Faz cair lágrimas.
Faz apertar o peito.
Faz a saudade presente.
Quanto pequena ainda na aurora
Lembro-me da chuva nos telhados
Correndo pelas ruas.
Roupa colada no corpo,
Gotas escorrendo no rosto,
Sorriso aberto para o céu.
Só por causa da chuva
Meus olhos brilhavam
Minha boca sorria
E meu coração... amava.
Amava a chuva e a rua
Andava feliz com a terra fria
A saudade não acabou
Só a chuva ficou...
Meiriara Lopes de Araújo Cerqueira
05/2000
Meu mundo
Meu mundo...
Eu o imaginei, mas nunca terminei
Fiz de terra e barro
Ele desabou
Meu mundo...
Pensei com o que vi
Fiz de nuvens e água
Ele inundou
Meu mundo...
Idealizei na minha cabeça
Fiz de amor e dedicação
Ele sucumbiu com minha ingenuidade.
Construí um mundo...
Materializei na realidade
Fiz com cérebro e mãos
Ele se perpetuou e eu vegetei.
Meiriara Lopes de Araújo Cerqueira
24/09/2005
15:30h
sábado, 17 de abril de 2010
Sertão ou Mar
A plantação clamando por chuva.
O solo ansiando por uma trégua do calor,
Que só viria ao entardecer.
Fui crescendo e o sol implacável continuava,
E inexorável lançava estrategicamente
O resultado do seu destino sobre Valente...
Seus gloriosos raios brilhantes e extensos.
Mas a vida me levou por caminhos desconhecidos.
Agora vivo próximo ao mar.
Aqui o sol que outrora queimava a pele
Hoje bronzeia,traz alegria a esta terra.
Aqui os rostos também são marcados
Pois o mesmo sol, marca o rosto
Não só na roça, mas no mar,na labuta
Para buscar o peixe paradoxalmente
Aos que se estiram na praia.
Nos meus encontros com o passado
Revejo a fome daqueles que não têm
Onde buscar o pão que sustenta a família.
No presente vejo onde buscar,
Entretanto a falta de vontade do povo
Faz o mar ser pequeno diante da vontade
Do povo castigado do sertão.
Voltar... Não sei.
O futuro é uma incógnita de viveres.
O passado viveres quase esquecidos
Pelo enfadonho presente do cotidiano.
No sertão a vida é valorizada pelo fruto
Do labor do trabalho.
No mar a vida é valorizada pela mesmice
Do dia a dia da maré, muitas vezes
Sem perspectiva de crescimento.
Talvez quando for mais velha e a vida
Menos conturbada eu retorne para
Onde um dia a felicidade de ser criança
Levou-me por trilhas e caminhos que
Um dia passei.
Salinas, 26 de maio de 2002.
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